Josué de Souza, na Revista Fórum, lembrou de Darcy Ribeiro: este dizia que a crise na educação brasileira não é uma crise mas um projeto. Ao comentar os últimos acontecimentos nacionais “no governo dos milicianos”, Josué sublinha logo no seu título: o “Escola Sem Partido” foi pra cadeia. Ironias da história. Os que pregavam o patrulhamento ideológico anti-esquerdista, os que seguem o mal-educado que propõe “entrar com um lança-chamas no MEC para tirar o Paulo Freire de lá” (como fez Bolsonaro numa bravata incendiária), agora viraram caso de Polícia Federal:
“Milton Ribeiro é acusado de terceirizar o MEC para pastores evangélicos. Estes, despachavam num hotel em Brasília recebendo prefeitos do interior que, mediante o pagamento de propina aos religiosos, tinham liberado seus pedidos de investimento junto ao FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Segundo gravações vazadas na imprensa, o pedido de propina incluíam até barras de ouro.” (SOUZA, Josué. Link. [1])
O mesmo presifake que um dia fez a proposta de incinerar a presença do criador da Pedagogia do Oprimido do Ministério da Educação recentemente reiterou sua obsessão com o fogo e disse que “botava sua cara no fogo por Milton Ribeiro”. O pastor evangélico neopentecostal, ex-reitor da Mackenzie e ex-ministro da educação empossado por Seu Jair, em Junho de 2022 descobre-se prisioneiro, réu por corrupção deslavada no favorecimento ilícito de seus comparsas da Assembléia de Deus (ou seria de Mammon?). Nas ilustrações de Nando Motta e do Cartunista Das Cavernas, eis um retrato tragicômico de nossas desventuras cá em distopia brasilis:
Pastor Milton e General Pazuello, bizarramente nomeados para comandar os ministérios da Educação e da Saúde, a despeito da completa incompetência de ambos para os cargos, disseram publicamente, à la Adolf Eichmann (criminoso nazista cujo julgamento em Jerusalém foi alvo de clássico livro de Hannah Arendt, como já exploramos aqui no site d’A Casa de Vidro no artigo A tenebrosa atualidade da banalidade do mal [2]): estavam apenas obedecendo ordens do presidemente. Neste governo, capitão reformado manda, general e pastor obedece. Mesmo quando a ordem inclui ilicitudes, crimes de responsabilidade e atentados contra a saúde coletiva que causam 400.000 mortes evitáveis.
Em 22/06/22, Milton Ribeiro e um dos pastores da “Assembléia de Deus-é-Dinheiro”, que ele favorecia ilegalmente com verbas públicas do MEC, foram presos pela Polícia Federal. Mas e quem os nomeou e lhes dava ordens enquanto cometiam crimes contra nosso povo, vai virar opção nas urnas mesmo após tão acintosa e recorrente delinquência? O lugar de Bolsonaro certamente não é no poder, mas tampouco é nas urnas.
Em Março, Jair “Cloroquina” Bolsonaro disse: “Eu boto a minha cara no fogo pelo Milton”. Poucas vezes na história vimos um presidente brasileiro com a cara tão chamuscada. Chamuscada pelas execuções brutais impostas a Dom Phillips e Bruno Nogueira na Amazônia. Chamuscada pelas florestas que queimam enquanto “passa a boiada” adorada por Salles e seu chefe. Quando Bolsonaro “pôs a cara no fogo” em defesa do pastor-prisioneiro, referia-se a “denúncias sobre a existência de um ‘gabinete paralelo’ formado por pastores lobistas no Ministério da Educação”, como informa Brasil de Fato. “O ex-ministro e o pastor Gilmar Santos foram presos na manhã desta quarta-feira (22), durante a operação Acesso Pago, da Polícia Federal. A ação do órgão faz parte do inquérito que investiga o esquema de “tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos” do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) às prefeituras, mediado por pastores lobistas.” [3]
E agora, Bozó? Em seu blog, Leonardo Sakamoto apontou: “A prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e do pastor Gilmar Santos, um dos religiosos acusados de cobrar pedágio em dinheiro, ouro e bíblias para liberar recursos do Ministério da Educação a prefeitos, não resolve o escândalo, da mesma forma que a demissão do ministro também não resolveu. Afinal, como Ribeiro revelou, o atendimento do desejo dos pastores ocorreu a pedido do próprio Bolsonaro. E os pastores tinham livre acesso ao Palácio do Planalto. “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim”, disse ele em gravação divulgada pela Folha de S.Paulo que circulou mais do que single da Anitta. Jair, contudo, ainda é presidente da República e tem as prerrogativas do cargo. Isso ajuda a explicar o medo que ele tem do momento em que passar a ser ex….” [4]
Para fins de comparação, e como antídoto à memória curta que tantos brasileiros adoram nutrir, relembremos, agora que caiu o 3º ministro do MEC deste desgoverno, o que ocorreu quando o ex-presidente Lula empossou Fernando Haddad para o cargo que este ocuparia por aprox. 7 anos. Na matéria do Vermelho sobre o legado haddadiano revela-se:
“Fernando Haddad assumiu o MEC em 2005, e em sua gestão Lula sancionou a lei que cria o Piso Salarial Nacional do Magistério, que estabeleceu, pela primeira vez na história, um piso nacional para professores de escolas públicas da Educação Básica. Com a aprovação do piso, a categoria passou a ter um salário mínimo próprio. Quando a lei foi aprovada, cerca de 37% dos professores do país recebiam menos do que o piso, que, em 2009, primeiro ano da lei, era de R$ 950. Em 2012, passou para R$ 1.451.
Como ministro, Haddad priorizou o investimento em todos os níveis da educação. Ele foi o responsável pela criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que atende a toda a Educação Básica, da creche ao Ensino Médio. Em 2007, criou o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para avaliar a qualidade do ensino nas escolas públicas e, assim, desenvolver ações para superar os principais desafios encontrados.
Em julho de 2007 o então presidente Lula sancionou a Lei n° 11.502, de criação do Sistema Nacional de Formação de Professores, que atribui à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) a responsabilidade pela formação de professores da Educação Básica, uma prioridade do Ministério da Educação comandado por Haddad.
Haddad foi responsável também pela implementação do Ensino Fundamental de nove anos, as crianças das camadas pobres passaram a iniciar o ciclo de alfabetização aos 6 anos. E, pela extensão dos programas complementares de livro didático, alimentação, transporte e saúde escolar, antes restritos ao Ensino Fundamental, para toda a Educação Básica, da creche ao Ensino Médio.
O Plano Nacional de Educação é fruto de uma Conferência Nacional da Educação em 2009, quando Fernando Haddad era o titular de Lula no Ministério da Educação, e foi aprovado enquanto lei na gestão de Dilma Roussef em 2014, com validade até 2024. O PNE 2014-2024 é composto de metas a serem cumpridas pelo poder público, representados pelas entidades da federação (municípios, estados e o governo federal).
Na educação superior, Haddad criou o Programa Universidade para Todos (Prouni), programa que concede bolsas de estudo a alunos de baixa renda ou egressos do sistema público em instituições privadas de ensino. Foram beneficiados cerca de 2 milhões de estudantes.
Haddad ampliou e reestruturou o Fies, reduzindo os juros do financiamento, e o prazo de carência foi estendido para 18 meses. Após a implantação das mudanças, foram firmados mais de 1,16 milhão de contratos pelo Fies, até 2014.
Os governos federais do PT criaram 18 novas universidades federais e 173 campi universitários. A rede federal de ensino técnico também teve a maior expansão de sua história. Foram mais de 126 cidades que receberam campus de universidades federais e mais de 214 cidades que receberam campus de institutos federais.” [5]
3 anos e meio de Bolsofascismo e já temos estas ruínas de dimensões continentais: devastação sócio-ambiental insana (lançando Cerrado, Amazônia e outros biomas para além do ponto de não retorno); desmonte austericida na educação e na cultura; mortandade em massa provocada pela aliança do negacionismo bolsocloroquínico com o coronavírus (700.000 mortos na pandemia devido a esta necropolítica); fome de 33 milhões e insegurança alimentar de mais de 58% da população; a violência armada e o desdém pela vida humana atingindo cumes inéditos; pastores assaltando os cofres públicos e preços dos combustíveis na estratosfera (e não é o presidente que escolhe o comando da Petrobrás e sua política de preços?).
No que diz respeito à “micropolítica”, vemos o gravíssimo acanalhamento e bestialização de muitos cidadãos que se dizem “cidadãos-de-bem” e que agem como machos tóxicos, racistas homicidas, homofóbicos letais, feminicidas ferozes, teocratas fanáticos.
O Brasil não merece 1 dia a mais desta distopia horrenda que é a extrema-direita bolsonarista no poder e de todos os sintomas mórbidos que ela viraliza em nossa sociedade profundamente adoecida.
No DW, Philipp Lichterbeck [6], pontua que “o bolsonarismo baseia sua legitimidade em narrativas que nada têm a ver com a realidade”: “Há a alegação de que o bolsonarismo combate o comunismo. Qualquer pessoa com sentido político se questiona: que comunismo? Não há nenhum forte movimento comunista ou socialista no Brasil. O PT é um partido social-democrata, que não quer eliminar o capitalismo, mas restringir seus excessos negativos.
A segunda narrativa afirma que o bolsonarismo defende os valores cristãos. Aqui resta apenas a pergunta: a quais valores pregados por Cristo eles se referem? O direito ao porte de armas? O direito à tortura? O direito de ofender e ameaçar quem tem uma opinião diferente? Ou o direito de destruir o meio ambiente, ou seja, a criação de Deus?
O terceiro pilar do movimento foi, desde o início, a história de que eles estavam combatendo a corrupção. Bolsonaro e seus apologistas alegavam que não havia corrupção no seu governo. Essa era talvez a alegação mais atrevida, porque ela contradizia tão evidentemente a realidade. Já era possível se dar conta disso muito antes da prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, que é investigado por suspeita de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.
Também não foi nenhuma surpresa Ribeiro ser um pastor evangélico e estar envolvido em negócios ilícitos do Ministério da Educação com outros pastores evangélicos. As grandes igrejas evangélicas – todas apoiadoras de Bolsonaro – são um refúgio de falsidade e manipulação. Elas apoiam Bolsonaro porque ele lhes garante privilégios como isenção de impostos, por exemplo. Não surpreende o fato de terem sido registradas dezenas de visitas dos pastores que foram presos agora ao Palácio do Planalto.” [6]
* * * *
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] SOUZA, Josué. O escola sem partido foi pra cadeia. URL: https://revistaforum.com.br/debates/2022/6/22/escola-sem-partido-foi-pra-cadeia-por-josue-de-souza-119097.html.
[2] MORAES, Eduardo Carli de. A tenebrosa atualidade da banalidade do mal. URL: https://acasadevidro.com/banalidadedomal/
[3] BRASIL DE FATO. Cara no Fogo…. URL: https://www.brasildefato.com.br/2022/06/22/cara-no-fogo-fala-de-bolsonaro-sobre-milton-ribeiro-viraliza-apos-prisao-de-ex-ministro
[4] SAKAMOTO, Leonardo. UOL: PF prende só ex-ministro e pastores porque Bolsonaro ainda é inalcançável. URL: https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2022/06/22/pf-prende-so-ex-ministro-e-pastores-porque-bolsonaro-ainda-e-inalcancavel.htm
[5] VERMELHO – Conheça o legado de Haddad como Ministro da Educação. URL: https://vermelho.org.br/2018/10/15/dia-do-professor-conheca-o-legado-de-haddad-como-ministro-da-educacao/
[6] LICHTERBECK. Caso Milton Ribeiro é expressão genuína do bolsonarismo. URL: https://www.dw.com/pt-br/caso-milton-ribeiro-%C3%A9-express%C3%A3o-genu%C3%ADna-do-bolsonarismo/
Leia tb: O Globo – https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/06/22/milton-ribeiro-prisao-ex-ministro-da-educacao-pastores-mec-pf-ouro-propina.htm
Assista nosso último documentário: “TIRA A TESOURA DA MÃO!”
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Publicado em: 23/06/22
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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